Também conhecida por lábio leporino, expressão que está deixando de ser utilizada por ser alusiva às lebres – apresentam uma fenda mediana separando o lábio superior (focinho fendido) –, a fissura de lábio e palato (FLP) assusta e gera suposições e preconceito, tanto ao portador do problema quanto aos familiares e amigos, simplesmente por desconhecerem o assunto.

“Esse defeito congênito é estabelecido precocemente na vida intrauterina, mais precisamente no período embrionário e no princípio do desenvolvimento fetal até a 12ª semana gestacional”, explica Adriano Porto Peixoto, ortodontista do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo. Essa abertura no lábio ou no palato pode, em raras vezes, ocorrer dos dois lados, ou seja, uma fissura do lado esquerdo e outra do direito no palato.

Poucas são as explicações para as diversas dúvidas sobre como prevenir e o quanto de causa hereditária ou predisposição genética tem essa deformidade.

O diagnóstico pode ser feito entre o 4º e o 5º mês de gestação, por meio de exames de ultrassom, e é de extrema importância a realização do pré-natal, quando poderá ser detectada a fenda para quem tem lesão labial isolada ou associada ao palato ou ainda logo após o nascimento, quando é feito o exame clínico no recém-nascido.

Não é possível tratar a fissura labiopalatal na vida uterina e tampouco preveni-la. Segundo documento de perguntas frequentes elaborado pela equipe multidisciplinar do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo, conhecido como Centrinho-USP, após o diagnóstico, é importante encaminhar os pais e a família ou o paciente para um centro especializado em anomalias craniofaciais para receber as primeiras orientações sobre o cuidado com o bebê. O acompanhamento médico de crianças com fissura palatina é muito importante, pois pode evitar infecções das vias respiratórias e orelha média, assim como prestar orientação aos pais sobre as etapas terapêuticas e sanar as dúvidas em relação ao problema existente.

O tratamento deve ser realizado em centro especializado, pois há várias etapas terapêuticas e cirúrgicas envolvendo equipe interdisciplinar que acompanhará a criança, dependendo do caso, até os 20 anos de idade.

No Brasil, além do Centrinho da USP, que atende e estuda diversos casos de malformação craniofacial, especialmente a fissura labiopalatina, outras entidades especializadas no assunto também agem no País para preparar famílias e acompanhar os casos das crianças com FLP.

“Em 1982, o cirurgião plástico William Magee Jr. viajou com sua esposa Kathleen e um grupo de médicos americanos para uma missão humanitária nas Filipinas. Lá eles descobriram centenas de crianças afetadas por deformidades, entre elas, fissuras labiais e fendas palatinas. Apesar de terem ajudado essas crianças, eles foram obrigados a deixar muitas para trás. Diante da carência de suporte daquelas comunidades, o casal Magee fundou a Operation Smile – OS”, explica Ana Silvia Stabel, diretora executiva da Operação Sorriso no Brasil.

Atuante no Brasil desde 1997, a entidade é uma organização médica internacional que reúne médicos voluntários de 80 países para ajudar exclusivamente pessoas portadoras de deformidades faciais, em especial aquelas com FLP. De acordo com a Organização Mundial da Saúde – OMS, existem cerca de 300 mil pessoas com fissuras, e muitas delas ainda sem tratamento adequado. Diante de dados tão alarmantes, parcerias e doações contribuem para que milhares de crianças sejam atendidas. No Brasil, há uma prevalência de um portador de FLP em 650 nascimentos.

“Os defeitos congênitos identificados como fissura labiopalatina são comuns entre as malformações que atingem a face do ser humano e ocorrem com uma prevalência média entre um e dois indivíduos brancos para cada mil nascimentos. Representam as malformações mais prevalentes no ser humano e são reconhecidas como um relevante problema de saúde pública pela OMS”, revela Adriano Porto. Os bebês com FLP têm dificuldades iniciais durante a amamentação, na fala e, em alguns casos, de posicionamento dos dentes, mas tudo tratado de acordo com o desenvolvimento e o crescimento da criança. Por isso, não existe urgência para que seja realizada cirurgia assim que a criança nasce.

O processo cirúrgico deve ser feito quando o bebê apresentar boas condições físicas e isto somente é possível após alguns exames e avaliação de um cirurgião plástico especializado no assunto.

O tratamento adequado requer etapas e envolve profissionais especializados que ajudarão os pais a lidarem com a situação. “É natural que os pais queiram resolver essa questão o mais rápido possível, porém, o prazo para que ocorra a cirurgia é de decisão exclusiva do cirurgião plástico, que utiliza a literatura e sua própria experiência para definir a melhor época de operar a criança”, conta Ana Silvia. O fato é que as cirurgias reparadoras representam os primeiros passos de um processo terapêutico longo e complexo relacionado às fissuras labiopalatinas.

Todos merecem sorrir

O que os famosos Joaquin Phoenix e Carmit Bachar têm em comum com os pequenos Cordoso, Emanuelle e Maria? Todos eles passaram pela cirurgia de correção da fissura labiopalatina e seguem vivendo normalmente. E agora está chegando a vez de Laura.

Thamille Alves, baiana de 26 anos e moradora em Ilhéus, descobriu que sua filha Laura era portadora da fissura labiopalatina após o nascimento, já que em suas ultrassonografias não era possível a visualização da malformação. O parto foi cesariano e, assim que sua filha nasceu não a deixaram pegá-la, o que lhe causou certo estranhamento. Quando a levaram pela primeira vez, sua felicidade era tão grande que não notou o problema. “Ao vê-la pela primeira vez, meu coração não se continha de tanta felicidade. Todos ficaram preocupados com a minha reação neste dia, mas minha ficha só caiu no dia seguinte”, conta Thamille, que abandonou o curso superior de enfermagem para dedicar-se aos cuidados da filha com a ajuda da família e amigos.

A menina precisou usar sonda nos primeiros dias, que, para ela, foi o momento mais triste e um sofrimento muito grande. Aos 13 dias de vida viajaram para Salvador para passar em consulta com especialista, quando se verificou que o bebê era capaz de sugar sozinho o leite sem aspirar, sendo retirada a sonda. A partir daí passou a utilizar mamadeira com leite materno, pois, embora tivesse sucção, a fenda impedia que Laura mamasse no peito. “Para mim foi triste, porque se cria um vínculo forte entre mãe e filho nesses momentos. Eu tinha que ordenhar meu leite e, cada vez, ela precisava de mais. Quando o leite começou a secar, passei a dar fórmula”, explica a mãe.

Aos 3 meses e com a primeira cirurgia já agendada, tanto ela quanto a filha mantêm acompanhamento médico especializado e sessões com psicólogos. Para Thamille, um dos maiores desafios ainda é o preconceito, pois muitas pessoas ainda desconhecem o problema e tratam os portadores como coitadinhos. “Na verdade nossos filhos têm apenas um problema estético e, com o avanço da medicina, podem ser reparados e ter uma vida normal. Tenho muitas expectativas para a cirurgia, mas acredito que ela ficará mais linda do que já é”, conta a mãe coruja.