Lucas Miglioli, sócio fundador do M3BS, explica como as boas práticas de Governança Corporativa vêm conquistando espaço na Saúde Suplementar Brasileira   

A Resolução Normativa (RN) nº 518 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) trata da adoção de práticas mínimas de Governança Corporativa, com ênfase em Controles Internos e Gestão de Riscos, para fins de solvência das Operadoras de Planos de Assistência à Saúde. 

A medida pretende alinhar o setor às mais avançadas práticas internacionais de regulação prudencial, como ocorreu no mercado de capitais, buscando preservar a sustentabilidade de todo o ecossistema de saúde brasileiro. O motivo é simples. Embora seja composto por diversos players que atuam de maneira interligada, há muita assimetria de informações no setor.  

Até então, o Órgão Regulador gerenciava esse risco seguindo as mesmas regras aplicadas em todo mundo no mercado de seguros, bastante semelhante à operação de Planos de Saúde. Contudo, o amadurecimento do setor impunha regras específicas para a Saúde Suplementar, especialmente após os desafios decorrentes das crises econômicas ocorridas entre os anos 1980 e 2010.  

A análise dos 119 relatórios da Comissão de Inquérito da ANS, constatou que 100% dos Planos de Saúde com atividade encerradas entre 2012 e 2018 sucumbiram à má gestão; em mais de 98% dos casos, faltava confiabilidade nas informações fornecidas pelas Operadoras; e em 82,2% dos casos foram apontadas deficiências nos controles internos. A precariedade da gestão foi confirmada também pelo levantamento do padrão de Governança Corporativa das Operadoras feito pela ANS. 

Esse contexto de ajuste técnico, crise econômica e demanda de aprimoramento da gestão demandou a criação de modelos de capital baseado nos riscos a que os agentes reguladores estão expostos, além da definição dos requisitos mínimos de Governança e Gestão de Riscos e aperfeiçoamento das regras de provisionamento. Esse movimento global repercutiu na regulação econômico-financeira da Saúde Suplementar Brasileira, especialmente quanto à solvência, com as RNs n° 443/2019 (atual 518/22) e 451/2020. Foi o marco da revisão do modelo de regulação. 

Resolução Normativa n° 518/22 

Em resposta à necessidade de aprimorar a gestão das Operadoras de Planos de Saúde, a ANS editou a RN n° 443/19, sucedida pela n° 518/22, pautada na experiência positiva de outros Órgãos Reguladores, como Banco Central e Superintendência de Seguros Privados (Susep), e no modelo Solvência II.  

Afinal, os pilares da Governança Corporativa (transparência, equidade, prestação de contas e responsabilidade corporativa) são a chave para a implantação das boas práticas pelas Operadoras de Planos de Saúde, garantindo a eficácia da Gestão de Riscos e dos Controles Internos a que seus negócios estão expostos. 

A resolução marca o início da ingerência regulatória na implemen,tação das práticas de Governança Corporativa, Controles Internos e Gestão de Riscos a serem implementadas pelas Operadoras de Planos de Saúde como requisito fundamental à sustentabilidade do sistema, agregando valor, qualidade e continuidade, exercendo a real vocação do Órgão Regulador de estabelecer um estado de equilíbrio que preserve o interesse público contra perdas de bem-estar associadas às falhas de mercado.  

A disruptiva norma estabelece regras de conduta empresarial e mecanismos de Gestão e Controle de Riscos, que levam a um processo de adaptação das empresas aos conceitos de Governança, a fim de incuti-los a sua estrutura e cultura. 

Até então, os riscos de colapso do sistema em decorrência da insolvência de uma Operadora de Planos de Saúde eram, de certo modo, mitigados por meio das garantias patrimoniais, cujas regras de capital obrigavam as Operadoras a constituir uma reserva de patrimônio suficiente (ao menos, em teoria) para absorver as oscilações dos riscos de Operação dos Planos de Saúde comercializados.  

Em linhas gerais, a RN n° 518 traz dois efeitos às Operadoras: obrigação de informar à ANS as práticas de Governança e Controle de Riscos implementadas e a possibilidade de diminuir o capital regulatório, caso a Operadora cumpra as práticas mínimas de Governança estabelecidas pela resolução. Aliás, poderá ir além, solicitando aprovação do modelo próprio de capital, se cumprir também os requisitos da RN n° 451/20. 

 Fácil perceber que, quanto maior o grau de alinhamento às boas práticas de gestão, menor o risco prudencial oferecido pela Operadora ao ecossistema onde se encontra inserida. 

Por isso, o mercado espera que as novas normas incentivem tanto as empresas menos estruturadas a promover uma mudança organizacional quanto as Operadoras com padrão de Governança elevado a buscar a redução do capital regulatório.  

Em qualquer uma das situações, a adoção das boas práticas de Governança representa um forte indicativo de credibilidade do setor, garantindo, acima de qualquer coisa, a assistência aos beneficiários. 
 

* Lucas Miglioli – sócio fundador do Miglioli, Bianchi, Borrozzino, Bellinatti e Scarabel Advogados.