Maior grupo de saúde do Brasil, a Amil se consolidou na última década apostando num modelo de controle de custos e, por consequência, maior rentabilidade. Tanto na época em que era administrada pelo fundador, Edson de Godoy Bueno (1943-2017), quanto depois de ser comprada pela gigante americana UnitedHealth, em 2012, a companhia combinou venda de planos de saúde com a administração de hospitais e clínicas próprias. Ao direcionar parte das consultas e procedimentos dos beneficiários para a sua rede de atendimento, ela evita gastos desnecessários e cobranças consideradas abusivas por parte de hospitais independentes. Esse modelo, hoje seguido por praticamente todo o setor, é uma volta às origens. A Amil, assim como os planos Hapvida e a NotreDame Intermédica, por exemplo, foram criados por donos de hospitais.

Essa trajetória é agora percorrida pelo grupo São Francisco. A história começou com o hospital de mesmo nome, fundado em 1945, em Ribeirão Preto (SP), interior de São Paulo. Mas, na última década, o grupo passou a vender planos de saúde com atendimento em rede credenciada, além de hospitais próprios. Hoje, o São Francisco já é a 10ª maior empresa do setor em número de beneficiários – considerando não apenas as chamadas empresas de medicina de grupo, mas também seguradoras, como a Bradesco Saúde, e cooperativas médicas, as Unimeds.

No entanto, diferente dos planos rivais, o foco do São Francisco não está nas grandes capitais, mas sim numa faixa que se estende do interior de São Paulo, passando por Minas Gerais, e chegando ao Centro-Oeste. “É uma área impulsionada pelo agronegócio e com uma economia bastante pujante”, afirma Lício Cintra, CEO do grupo. Os beneficiários são atendidos em sete hospitais e numa rede de 200 clínicas próprias. O grupo também oferece plano odontológico e operações de resgate em estradas. “Desenvolvemos uma atuação verticalizada, mas acreditamos no modelo híbrido”, diz Cintra. “Não faz sentido ignorar parcerias e querer tudo nos nossos hospitais e clínicas”. Hoje, menos de 50% de procedimentos médicos são feitos na rede própria.

Esse posicionamento atraiu a atenção de um dos fundos de investimento de melhor reputação do País, o Gávea Investimentos, de Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, que fez um aporte na empresa em 2016. Os números mostram que o investimento foi um ótimo negócio. Desde 2006, o São Francisco mantém um ritmo de crescimento de 35% ao ano, o que deve garantir o faturamento de R$ 1,75 bilhão em 2018 (os números do quarto trimestre ainda não foram fechados). A companhia também atingiu a marca de 6,7 mil funcionários, dois mil deles contratados nos últimos dois anos. “Só não crescemos mais rapidamente por falta de mão de obra especializada”, diz Cintra.

PROFISSIONALIZAÇÃO A virada da empresa começou com a chegada do CEO em 2005, junto com um grupo de executivos que vinha de diversos setores. A mulher de Lício Cintra, Patrícia Musa, foi contratada nessa mesma época e hoje é presidente da São Francisco Resgate, o braço de operações em estradas. No mesmo período, aconteceu a primeira onda de abertura de capital dos planos de saúde na Bovespa, com venda de ações da Amil e da Medial Saúde. Foi o que inspirou o São Francisco a seguir um caminho similar, mas fora dos centros de atuação dos líderes de mercado.

O faturamento anual dos hospitais privados brasileiros somam R$ 50 bilhões contra os R$ 200 bilhões de receita dos planos de saúde, segundo dados de associações dos dois segmentos. O timing para a virada foi perfeito. “O crescimento dos planos de saúde no interior foi muito maior do que nas capitais. Mesmo com a crise, a economia continuou crescendo fora das grandes cidades, em especial, no Centro-Oeste, e o nível de emprego se manteve”, diz Marcos Novais, economista-chefe da Abramge, a associação dos planos de saúde. “Em muitas cidades, havia a atuação apenas de Unimeds.”

Hoje, segundo a Abramge, mais da metade dos beneficiários de planos de saúde estão fora das capitais: 28,2 milhões (59,7%) dos 47,2 milhões de clientes. E a substituição das cooperativas médicas, com a crise de diversas Unimeds, também é um fato. No interior, 9,6 milhões de pessoas são atendidas por planos de saúde contra 12,6 milhões que possuem assistência de cooperativas. Mas, enquanto houve crescimento de 3,5% na primeira categoria, as concorrentes perderam 0,4% dos clientes no período de doze meses, até setembro de 2017.

Essa tendência beneficiou os planos do grupo São Francisco. Em 2006, ele possuía 100 mil clientes no plano médico e 30 mil no plano odontológico. Hoje, são 780 mil e 880 mil, respectivamente. A meta é atingir 1 milhão de vidas em cada plano, ao fim de 2019. “Vai ser um bom ano para alcançarmos resultados agressivos e para darmos um novo salto”, afirma Cintra.

EXPANSÃO Desde o aporte do fundo Gávea, o grupo iniciou a construção de um novo hospital em Araraquara (SP), além de realizar aquisições de planos de saúde no Centro-Oeste e nas cidades paulistas de Lins, Bauru e Piracicaba. O número de clínicas também cresceu de 60 para 100, entre 2017 e 2018. Na área de resgates, há também grande potencial de expansão. “Esperamos que o mercado se acelere com a possibilidade de mais privatizações de estradas pelo Brasil”, diz Patrícia Musa,lembrando que a São Francisco Resgate já possui contratos com as concessionárias Artemis, Invepar e AB Concessões, atendendo ocorrências em 140 pontos e 5,6 mil km de vias pelo País.

A meta do grupo para 2019 é manter o crescimento ao compasso de 35% ao ano e preparar a empresa para a abertura de capital. O dinheiro do IPO pode financiar uma expansão ainda mais agressiva. Considerando que 90% da população brasileira não tem plano odontológico e 76% não possui plano de saúde, o São Francisco acredita que tem o potencial de se tornar uma gigante de porte similar á Amil (que, quando fez o seu IPO em 2007, vinha de um faturamento anual de R$ 1,9 bilhão e, dez anos depois, se aproxima dos R$ 20 bilhões). O Grupo São Francisco quer conquistar o mercado da saúde no País, mas com um sotaque caipira.

 
 

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