Fonte: Publicado originalmente em Odontologia de Grupo em Revista Nº 27 – Alessandro Polo
Estamos acostumados a ouvir e ver notícias de pirataria de diversos produtos, desde roupas até brinquedos. Mas o que muita gente não sabe é que na Odontologia, mais precisamente no setor de implantes, também podem ser encontrados produtos piratas e o pior, a sua utilização pode afetar diretamente a saúde bucal.
A implantodontia no Brasil teve início em meados dos anos 1980, após alguns brasileiros se especializarem no exterior e retornarem ao País para treinar e aperfeiçoar cientificamente os profissionais aqui do Brasil, aumentando aos poucos o número de pessoas especializadas.
O que no início era de custo elevado e elitizado, com a queda de patentes e estabilização econômica, houve um fôlego na capacidade da indústria brasileira em desenvolver métodos e tecnologia na produção de componentes utilizados em implantes.
Em 2014, no Brasil, foram realizados cerca de dois milhões de implantes dentários, quantidade inferior apenas à dos EUA. Os implantes realizados no País, atualmente, são referência internacional e por aqui é um procedimento importante para a qualidade de vida de quem, por algum motivo, teve avaria na arcada dental.
Com alcance para boa parte da população, o crescimento da oferta dos produtos de qualidade e a expertise de excelentes profissionais, a implantodontia teve grande ascensão no mercado nacional. Entretanto, a grande demanda por parte da população trouxe também um grave problema: a pirataria.
Segundo a Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos – Abimo, de cada 10 implantes realizados, 3 são piratas. Esse levantamento tem tirado a tranquilidade de profissionais da Odontologia de todo o Brasil, principalmente pelo fato de a área ser uma das mais crescentes no País. Este cenário de insegurança fez com que muitos profissionais apoiassem iniciativas que coíbem essa prática que, além de criminosa, é desleal. O apoio da classe e a crescente participação do mercado irregular motivaram a mobilização da associação em relação às denúncias. “Para melhorarmos a efetividade dos resultados, contratamos um escritório de advocacia para nos auxiliar nos trâmites necessários para alcançarmos êxito em nossas reivindicações”, explica Knud Sorense, vice-presidente do setor odontológico da Abimo.
Entretanto, para que as ações tenham resultados importantes, é primordial a parceria de diversas esferas federais, como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa e o Conselho Federal de Odontologia – CFO. Para as outras instituições, a maior dificuldade em combater a prática da pirataria é a falta de denúncias efetivas, uma vez que, no caso da Anvisa, os apontamentos são somente em relação a produtos não registrados no órgão.
“Após levantamento das denúncias referentes aos implantes odontológicos recebidas de 2011 até este ano, foi verificado que a Anvisa não recebeu denúncias de falsificação de componentes usados em implantes, mas por produtos não registrados nesta agência”, esclarece Tânia Regina Aguilar, da equipe da Gerência de Fiscalização de Produtos Sujeitos à Vigilância Sanitária e da Gerência-Geral de Produtos para Saúde.
A Anvisa deixa claro que há diferenças conceituais entre produtos não regularizados e produtos falsificados (piratas). Todos os implantes, incluindo os odontológicos, devem obrigatoriamente ser registrados no órgão. No processo de registro, o produto é avaliado quanto aos quesitos de segurança e eficácia. Sendo assim, um produto não registrado não contém essas avaliações. Já os materiais falsificados são aqueles que imitam os produtos registrados para dar a aparência de legítimo.
“Não são conhecidas as condições de fabricação destes produtos falsos e, por aparentarem ser produtos regulares, a identificação é mais difícil e os riscos à saúde pública são aumentados”, complementa Tânia Aguilar.
Para a categoria odontológica e toda a sociedade, um projeto de lei que obrigue a venda de produtos odontológicos com as devidas identificações e registros seria o ideal para coibir a prática da pirataria, mas, enquanto isso não acontece, cabe aos profissionais a função de identificar a originalidade do material que será utilizado, assim como a de cada paciente em exigir informações sobre os componentes que serão implantados.
O CFO tem alertado constantemente os cirurgiões-dentistas sobre o risco do uso de componentes protéticos não qualificados, pois, se houver algum problema, o profissional é o primeiro contatado. “No caso de denúncia do profissional, primeiramente o Conselho Regional da cidade onde o profissional é inscrito deve apurar e julgar dentro das normas do Código de Ética e, em segunda instância, o CFO”, explica Rubens Corte Real de Carvalho, tesoureiro do conselho. Após o processo ético ao qual é submetido e, se comprovado o dano à saúde da pessoa, aplica-se o preceito fundamental do Código de Ética em seu artigo 9º, que é o de zelar pela saúde e pela dignidade do paciente.
A especialista em implantologia oral e ex-professora do curso de Aperfeiçoamento em Implantologia Oral da Associação Paulista de Cirurgiões-Dentistas – APCD, de São Bernardo do Campo, Maria Regina Moreno Sierra garante um trabalho de qualidade e se resguarda de qualquer problema que venha a ter. Ela revela que seus contratos com fornecedores são sempre bem elaborados e todas as etiquetas de procedência dos implantes utilizados são anexadas ao prontuário do paciente. “Nós, implantodontistas, antes de qualquer coisa, devemos zelar pela saúde e integridade física do paciente”, esclarece.
Segundo a Abimo, na maioria dos casos, os dentistas não são enganados, pois há a consciência da escolha do produto irregular, muitas vezes pelo beneficio burocrático e comercial na hora da com- pra dos materiais. Essa facilidade se dá quando os piratas não precisam garantir a rastreabilidade dos produtos e, assim, obtêm condições de consignação, troca e devolução de maneira facilitada. Neste caso, segundo a entidade, o grande enganado é o paciente, uma vez que jamais saberá qual material foi utilizado em sua reabilitação, porque as peças ficam cobertas pela coroa propriamente dita.
Mais do que a sensação de ser enganado, o paciente que receber a prótese pirata pode ainda sentir na pele, ou melhor, na saúde, o resultado dá má qualidade dos produtos. Isso porque as próteses piratas não respeitam as normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, fazendo com que as peças não sejam compatíveis entre si e até mesmo com o organismo humano, além de apresentarem problemas de resistência mecânica e características de acabamento inadequadas, entre outros. “Os componentes protéticos que se encaixam nos implantes são os mais pirateados, são feitos com dimensões de encaixe mais folgados, o que faz com que afrouxem com mais facilidade, gerando risco de proliferação de bactérias que vão para a gengiva e consequentemente a perda do implante”, alerta Sierra.
Diante desse panorama, a maior preocupação, segundo a Abimo, é a falta de autuações. Mesmo a pirataria ocupando 30% do mercado, nenhum dentista ou empresa foi notificada por essa infração, o que evidencia o baixo envolvimento das autoridades em relação ao tema. Por outro lado, a Anvisa informa que há um plano de ação em andamento e que o Sistema Nacional de Vigilância Sanitária realiza inspeções sistematicamente em fabricantes, importadores e distribuidores de produtos para saúde. Porém, o embate não é simples, já que não há soluções padronizadas.
“O trabalho da agência foca a melhoria da qualidade e da segurança dos produtos, no fortalecimento do controle da cadeia formal de fornecimento, por meio de inspeções de rotina, e aprimoramento da regulamentação, com mecanismos de controle de todas as etapas da cadeia de produtos regulares”, explica Tânia Aguilar. Ela ainda esclarece que a internet é um grande desafio às instituições que lutam contra a pirataria, pois as pessoas que buscam produtos especialmente por esse meio estão à margem dos controles existentes nas empresas regulares. Sua característica altamente dinâmica, na qual os sítios eletrônicos são criados e excluídos com facilidade e hospedados muitas vezes fora do País, exige a procura de alternativas de ação específica.
Enquanto as autoridades buscam formas de inibir as vendas por meio eletrônico, a Abimo, o CFO e a Anvisa continuam debatendo formas de refrear a fabricação e a venda desses produtos não qualificados. Dentro dessa medida, a Anvisa adotou, em sua Resolução de Diretoria Colegiada RDC nº 14/2011, o regulamento técnico com requisitos para agrupamento de materiais de uso em saúde para fins de registro e cadastro e adoção de etiquetas de rastreabilidade para produtos implantáveis.
Ainda assim, o ideal seria que houvesse um projeto de lei que obrigasse as empresas a venderem os componentes protéticos odontológicos com a devida identificação. Em paralelo a essa resolução, a Abimo pretende adotar uma carteira de identificação do produto contendo dados de registro da Anvisa com código de barras, empresa, condições e data. Ela seria a garantia do componente utilizado.
De maneira geral, a melhor forma de garantir o sucesso do procedimento e a qualidade do serviço é saber a procedência do material usado, trabalhando sempre com empresas idôneas. O ideal é verificar no site da Agência de Vigilância Sanitária se a marca utilizada está devidamente regularizada. Aos pacientes fica o alerta do Conselho Federal: “Ao iniciar o tratamento com o profissional de sua confiança, exija a etiqueta de garantia e rastreabilidade do produto, zele por sua saúde”.
Publicado originalmente em Odontologia de Grupo em Revista Nº 27 – Alessandro Polo