Fonte: Jota – Por Angélica Carlini

Rol exemplificativo não garante segurança das evidências científicas nem sustentabilidade dos fundos mutuais

O Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde elaborado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – o rol da ANS – é e precisa ser taxativo. É importante que se pergunte o porquê. A resposta é muito simples e clara: porque fundos mutuais se organizam a partir de riscos predeterminados. Sem a predeterminação não há outra alternativa que não seja a cobrança posterior à utilização, o que representa insegurança para a sustentabilidade do sistema e para o planejamento financeiro dos contratantes.

Seguradoras, medicina de grupo, cooperativas ou autogestão, todas as modalidades de prestação de serviços em saúde suplementar se organizam a partir de princípios essenciais. O mutualismo é, com toda certeza, o mais importante deles, embora o pacto intergeracional também tenha enorme relevância.

Mutualismo significa que todos pagam para que alguns utilizem. Em palavras mais técnicas significa a formação de um fundo a partir de cálculos atuariais e estatísticos que solucionam a equação: qual o risco x quantas vezes ocorreu em um determinado período de tempo x quais as probabilidades que ocorra no futuro. Estatísticas olham para o passado. E probabilidades olham para o futuro. Essa é a fórmula da construção dos fundos mutuais.

Para pesquisar estatísticas e calcular probabilidades é fundamental que os riscos sejam predeterminados. O rol da ANS cumpre essa função essencial: predetermina os riscos. Na atualidade ele contém mais de 3.000 itens, ou seja, em linguajar técnico, são 3.000 riscos predeterminados para os quais é possível calcular probabilidades a partir do estudo de estatísticas.

Os médicos podem prescrever procedimentos e eventos em saúde diferentes daqueles elencados no rol? Podem, sem dúvida, têm liberdade para isso. Os planos e seguros de saúde devem custear esses procedimentos e eventos em saúde que estão fora do rol da ANS? Podem até pagar, mas como não foram previstos no cálculo, não há recursos para isso e, consequentemente, os fundos se esgotarão mais rapidamente. E como os fundos são repostos? Com o valor das mensalidades pagas pelos contratantes. Em rápida conclusão: sem predeterminação de riscos, os valores de mensalidades terão que ser atualizados em percentuais maiores, o que não é benéfico para os contratantes.

Um rol da ANS meramente exemplificativo significará maior sinistralidade, ou seja, maior quantidade de riscos materializados e que deverão ser custeados pelos fundos. Há quem defenda a ideia de que a sinistralidade é um risco do negócio da operadora. Não é! Sinistralidade é o risco que o contratante traz para o fundo mutual, e que deve ser custeado por todos os participantes, igualmente contratantes.

E qual o risco das operadoras de saúde? Garantir que o fundo mutual tenha sempre recursos para custear os valores necessários para as despesas assistenciais, por meio de formação e gestão adequadas do fundo. Fundos bem formados são aqueles que atendem às regras de cálculos atuariais e estatísticos. Fundos bem administrados são aqueles que pagam o que estava previsto e não qualquer procedimento ou evento em saúde.

A Constituição Federal determina que o Estado é o responsável pela saúde para todos, porém mediante políticas sociais e não em caráter individualizado. O sistema de saúde não prevê tudo para todos de forma ilimitada, nem para a saúde pública e nem para a saúde suplementar. Existem parâmetros de evidências científicas que precisam ser respeitados, sob pena do cidadão brasileiro receber tratamento inadequado, não autorizado, sem comprovação de eficiência e eficácia para um desfecho clínico adequado.

A avaliação de tecnologia em saúde (ou simplesmente ATS) é a baliza das evidências científicas e da segurança. É isso que, fundamentalmente, fazem a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (Conitec), a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e a ANS.

Rol exemplificativo não garante segurança das evidências científicas e não garante sustentabilidade dos fundos mutuais. Decisão e consequência. Retórica e realidade. A proteção da dignidade da pessoa humana se concretiza nos termos da Constituição Federal com bons serviços de saúde pública e suplementar. Para isso, é preciso que existam evidências científicas atestadas por órgãos idôneos e institucionais, e que existam recursos adequados para atender a todos os que necessitam e não apenas àqueles que vão ao Judiciário para requerer.

Esse é o papel fundamental do rol da ANS: garantir qualidade na prestação dos serviços de saúde, ancorados em evidências científicas idôneas, e garantir que todos os contratantes possam utilizar.